Erro Judiciário e Reconhecimento Pessoal: Uma Crítica Epistêmica

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A inclusão da homossexualidade e da transexualidade como patologias nos manuais diagnósticos, como o DSM e o CID, consolidou historicamente a exclusão e o estigma de identidades dissidentes. Embora a homossexualidade tenha sido retirada do DSM em 1973 e do CID em 1990, as consequências dessa patologização permanecem vivas, refletidas em discursos de ódio e exclusão institucional. 

A transexualidade foi inicialmente classificada como “disforia de gênero” no DSM-III (1980) e, em 1990, como “perturbação da identidade sexual” no CID-10. Em 2019, a OMS, no CID-11, reclassificou a transexualidade como “incongruência de gênero”, retirando-a da lista de transtornos mentais. Atualmente, a “incongruência de gênero” é vista como o desconforto causado pela discrepância entre o gênero com o qual o indivíduo se identifica e seu sexo biológico, sendo considerada um diagnóstico quando afeta significativamente a vida do indivíduo. A intensidade do sofrimento varia entre as pessoas transgênero. (LUZ; TORESAN, 2020). 

A luta contra a patologização de identidades gays e trans é complexa, envolvendo tanto a exclusão de diagnósticos estigmatizantes quanto a criação de narrativas que reconheçam sua legitimidade e autonomia. Judith Butler (2009) e Bento e Pelúcio (2012) destacam que, apesar da utilidade prática dos diagnósticos, eles perpetuam estigmas que restringem a autonomia. Políticas digitais, como as da Meta, amplificam discursos excludentes, tornando a politização dessas identidades uma resistência essencial às normatividades que sustentam a exclusão social e simbólica. 

Este artigo analisa essas questões, destacando o impacto psicológico da exclusão e a resistência necessária frente a essas estruturas normativas, considerando o contexto contemporâneo das plataformas digitais e os avanços na luta LGBTQIA+.

HISTÓRICO DA PATOLOGIZAÇÃO: GAYS E TRANS NO CONTEXTO MÉDICO E SOCIAL:    

Inspirados por Butler (2024), entendemos que a luta contra a patologização não é apenas uma demanda por direitos, mas uma reivindicação pela liberdade de existir fora das normas impostas. O gênero, longe de ser uma categoria fixa, é uma performance fluida, constantemente recriada através das relações sociais e institucionais. Nesse sentido, desafiar a patologização envolve desconstruir as bases simbólicas que sustentam a exclusão. 

A politização dessas questões é essencial. As plataformas digitais, como as controladas pela Meta, exemplificam como discursos excludentes são amplificados e legitimados. As recentes mudanças nas Diretrizes da Comunidade, que permitem associar identidades de gênero a transtornos mentais, destacam a urgência de resistir a essas estruturas. Para Butler, esses mecanismos não apenas refletem preconceitos; eles os produzem, consolidando hierarquias de gênero e poder. 

O diagnóstico da homossexualidade como transtorno mental, presente no DSM desde sua primeira edição em 1952, foi um reflexo de uma sociedade positivista que buscava validar cientificamente preconceitos morais e religiosos. As práticas médicas da época, como terapias de eletrochoque e lobotomias, reforçaram a ideia de que homossexuais precisavam de “cura” (LUZ; TORESAN, 2020). Embora a remoção do diagnóstico tenha representado um avanço, as sequelas desse período ainda reverberam em práticas discriminatórias e exclusão social. 

A patologização de identidades não heteronormativas, como a homossexualidade e a transexualidade, reflete uma busca por validar preconceitos sociais e religiosos. A homossexualidade foi tratada como transtorno até 1973, e a transexualidade ainda é diagnosticada com “incongruência de gênero”, perpetuando a ideia de que expressões de gênero dissidentes são falhas a serem corrigidas. Judith Butler (2024) argumenta que essa categorização serve como uma forma de controle social, normalizando o binarismo de gênero. A luta contra a patologização é essencial para garantir a autonomia das pessoas trans e queer, promovendo um espaço social que respeite a diversidade de gênero e sexualidade, livre de normas excludentes. 

Além disso, a resistência contra a patologização das identidades de gênero dissidentes vai além da revisão científica ou do reconhecimento oficial. Ela envolve uma transformação cultural profunda, que questiona normas históricas sobre gênero e sexualidade e desafia estruturas sociais que impõem conformidade. As pessoas trans e gays, ao reivindicarem sua autonomia e direito à expressão, não só contestam diagnósticos patologizantes, mas também enfrentam uma luta contra a marginalização social, o estigma e a violência. 

A desconstrução dessas narrativas patologizantes é essencial para construir uma sociedade mais inclusiva e respeitosa, onde a diversidade de identidade de gênero seja reconhecida e valorizada, sem os estigmas históricos que ainda marcam a experiência trans e queer.

IMPACTOS PSICOLÓGICOS E SOCIAIS DA HOMOFOBIA E TRANSFOBIA:    

A discriminação contra gays e pessoas trans, refletida no fenômeno do “estresse de minoria”, tem impactos devastadores na saúde mental dessas populações. Luz e Toresan (2020) evidenciam que a exclusão social, a violência e o constante enfrentamento de preconceitos resultam em altos índices de transtornos mentais, ideação suicida e abuso de substâncias. Essa pressão constante, imposta por uma sociedade que marginaliza identidades dissidentes, impede que esses indivíduos vivam com qualidade e segurança. Contudo, mais do que os efeitos imediatos, o estresse de minoria cria um ciclo perpetuado de sofrimento, uma vez que os afetados acabam internalizando a discriminação, tornando-se prisioneiros de um estigma que os impede de se emancipar e buscar autonomia. 

A homofobia e a transfobia internalizadas são consequências diretas da marginalização histórica dessas identidades. A sociedade, ao longo do tempo, tem colocado os gays e trans em uma posição de inferioridade, transformando-os em “outros”, o que resulta em um constante processo de auto aversão. A ideia de que essas identidades precisam ser “corrigidas” ou “tratadas” é reforçada por instituições que validam discursos patologizantes, como é o caso dos manuais diagnósticos e de certas políticas públicas. Bento e Pelúcio (2012) demonstram como essas narrativas, enraizadas em um passado de estigmatização, não apenas dificultam a aceitação de si, mas também tornam o processo de emancipação ainda mais difícil. Ao medicalizar as identidades LGBT+, essas instituições, longe de promover a inclusão, contribuem para a perpetuação de uma visão negativa e excludente. 

Além disso, a flexibilidade de restrições a conteúdos discriminatórios nas plataformas digitais e o suporte institucional a discursos de ódio reforçam a marginalização desses grupos em diversos âmbitos da sociedade. A hostilidade presente em muitos espaços públicos e privados limita as oportunidades de gays e trans, impedindo seu pleno acesso a direitos fundamentais, como saúde, educação e emprego. A cultura de exclusão é sustentada por um ambiente onde a visibilidade de indivíduos LGBT+ é constantemente associada a estigmas negativos. 

Isso perpetua um ciclo de violência e discriminação que precisa ser interrompido, não apenas com mudanças legais, mas também com uma transformação cultural que promova a aceitação plena e a dignidade para todas as identidades de gênero e orientações sexuais. 

Os impactos da exclusão são profundos. A experiência de estresse de minoria, amplamente documentada, resulta em danos psicológicos e sociais significativos. A resistência, nesse contexto, é um ato de sobrevivência e afirmação. Judith Butler (2009) argumenta que o reconhecimento da performatividade do gênero nos permite vislumbrar um futuro em que identidades não sejam vistas como desvios, mas como expressões válidas da diversidade humana. 

A despatologização não pode se limitar à esfera diagnóstica. É necessária uma transformação cultural que questione normas históricas e frente a violência simbólica. Essa luta exige coalizões transnacionais que integrem diferentes vozes e perspectivas, comprometidas com a dignidade e a liberdade.

CONCLUSÃO:  

Embora a despatologização de gays e trans seja um avanço significativo na luta por direitos e reconhecimento, é importante criticar a visão predominante de que a simples remoção de categorias diagnósticas seja suficiente para erradicar os efeitos da opressão. A meta de despatologizar essas identidades não devem ser vistas como um fim, mas como uma etapa dentro de uma luta mais ampla por emancipação social e política. 

A despatologização, embora necessária, não pode ser confundida com a aceitação plena e a inclusão social dessas populações. Mesmo que a transexualidade tenha sido retirada da classificação de transtornos mentais no CID-11, as estruturas sociais e culturais que sustentam a homofobia, a transfobia e a exclusão continuam profundamente enraizadas. 

A crítica central reside no fato de que o reconhecimento legal e diagnóstico não garante por si só a eliminação da marginalização vivida por gays e trans. A despatologização, ao ser limitada à esfera médica e legal, muitas vezes negligencia as dimensões psicossociais e culturais da opressão, como a violência simbólica e a estigmatização diária. A transformação cultural e social é imprescindível, pois os discursos de ódio, as práticas discriminatórias e as normativas rígidas de gênero não desaparecem automaticamente com a alteração de uma classificação diagnóstica. 

Portanto, a luta das comunidades LGBTQIA+ deve transcender a despatologização e se concentrar na desconstrução das normas sociais que ainda definem essas identidades como “outros” ou “desvios”, promovendo uma verdadeira aceitação e respeito à diversidade em todos os aspectos da vida cotidiana. A verdadeira emancipação só será alcançada quando essas identidades forem reconhecidas, não como exceções, mas como partes integrais e legítimas da diversidade humana.

REFERÊNCIAS:  

BENTO, B., & Pelúcio, L. Despatologização do gênero: A politização das identidades abjetas. Estudos Feministas, Florianópolis, 20(2), 569-581, 2012. 

BUTLER, J. Desdiagnosticando o gênero. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 19(1), 95-126, 2009. 

BUTLER, Judith. Quem tem medo de Gênero?; tradução de Heci Regina Candiani. – 1. Ed. – São Paulo: Boitempo, 2024. 

LUZ, B. P., & Toresan, L. H. Homossexualidade, psicopatologia e saúde mental. Universidade Federal de Santa Catarina, 2020. 

BAHIA Econômica. Meta muda classificação e passa a permitir que usuários classifiquem gays e trans como ‘doentes mentais’. Disponível em: https://bahiaeconomica.com.br, 2025.

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